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Ossos Vermelhos

Atualizado: 27 de abr. de 2021


NOTA: O conto a seguir trata-se da releitura de um clássico, a versão mais conhecida do mesmo é a dos autores Irmãos Grimm.

Esse texto não foi feito com intuito de desrespeitar a obra original!

Sendo parte do Neresverso a liberdade para alterar detalhes e acontecimentos foi total.

O autor deseja uma bora leitura!

Att. Neres


Ossos Vermelhos

Série Relt's: 1º

Enquanto caminhava pela floresta pouco iluminada pela luz da lua, a jovem de capuz vermelho se deslocava a caminho da casa de sua avó, levando uma cesta cujo conteúdo era desconhecido para ela, mas que segundo a mãe, era de importância para a saúde da velha avó paterna.

Após a despedida da mãe e a frase: "Cuidado com os homens" em alerta para a menina, ela recebeu um beijo da matriarca na testa e se pôs a atravessar o pequeno bosque que antecedia a imensa floresta que separava seus lares, saiu de casa ao entardecer, e já caminhava há pelo menos duas horas, ainda faltava algum tempo para que chegasse ao lar da querida vovó.

Numa bifurcação muito ao nordeste da floresta, ela viu que o caminho que usava para chegar à casa da avó estava interditado por faixas de contenção amarelas, e com uma imensa placa de aviso de caça, deduziu que os homens ainda estavam caçando o suposto lobo, que aparecera na região e já era noticiado há mais de sete anos pelo jornal visser, sendo responsabilizado diretamente por inúmeras mortes de alguns animais, em sua grande maioria cervos enormes, que eram quase sempre encontrados sem seus chifres, e caçadores. Estranhamente a criatura fora vista de fato apenas duas vezes, por dois homens que afirmaram que o animal era real, mesmo que cercado de mitologia criada em cima das histórias, e as descrições sobre ele, fossem de fato muito fantasiosas para levar a sério, um dos homens afirmava estar são, e sobreviveu ao "encontro", pelo relato do mesmo; pois a coisa estava passando correndo por um pedaço sem árvores em uma clareia no meio do bosque profundo, aonde ninguém ia normalmente, mas que ele precisou ir ali, o homem fazia parte do policiamento local, foi responder um chamado de desaparecimento de uma criança daquela região enquanto o pai do garoto buscava lenha em outro lugar longe dali.

No relato oficial; o guarda estava a caminho do local de chamada, quando ao longe, antes de alcançar uma moradia distante de onde o menino morava com o pai, viu um lobo enorme e bestial, de pelagem cor de vinho sujo, tendo três ou quatro vezes o tamanho de um lobo comum, passar caminhando no espaço sem árvores, majestosamente, sem um pingo de pressa, o animal era medonho e sinistro, segundo o relato, ele tinha olhos muito esverdeados e brilhantes como estrelas, os pelos eram arrepiados de uma maneira incomum, o faziam parecer mais um urso demoníaco do que um lobo. Tinha entre os dentes o pescoço do corpo morto de um veado adulto, em condições normais o lupino seria muito menor do que o cervídeo, o que não era o caso, já que no relato (que terminou com o guarda dizendo que desmaiou após a cena), ele disse ter visto o lobo rubro arrastando o animal com tanta facilidade quanto carregaria um de seus filhotes, e o homem torcia para que nenhum filhote daquele monstro existisse de fato.

Todavia, o homem acabou sendo encontrado mais tarde por uma jovem senhora, que caminhava pela região, e morava na mansão que se encontrava naquela clareia solitária da floresta, aparentemente estava organizando uma festa à fantasia, tendo em vista que estava vestida como uma senhora do século XVII e sustentava no rosto uma máscara de meio rosto que cobria seus lindos olhos, que por incrível que pareça, o homem jurava que eram lilases, mesmo com todos achando um absurdo, ignoraram essa parte, porque ninguém em sã consciência diria que algum humano teria olhos daquela cor, após tomar um copo de água oferecido por ela, o homem voltou ao seu caminho completamente chocado e atordoado pela visão que tivera do enorme animal avermelhado, outra coisa também o deixou atordoado, a filha da mulher residente do local, que foi buscar o seu copo d'água, era estranhamente magra e pálida, como se não fosse humana. O homem estranhamente se esqueceu daquela mulher e daquela criança algum tempo depois do seu depoimento, e quem ficou responsável por escrever o relato do homem, também fez o favor de esquecer a tal criança, e a tal mulher de máscara, já que eram irrelevantes para o problema a ser resolvido... A cena do lupino gigante o fez refletir muito e o fez ter pesadelos contínuos.

O homem não apareceu no serviço no dia seguinte, e no próximo, e no outro. Algum tempo depois do ocorrido, e pela demora em não dar as caras, realizaram uma busca pelo pobre homem, que foi encontrado morto em sua casa, pendurado por uma corda presa no lustre de seu chalé alugado, observado pelo seu felino de estimação que já começava a morder e arrancar pedaços dos dedos dos pés descalços do homem, por falta de comida.

O segundo relato era ainda mais fantasioso, tendo em vista que foi feito por um homem jovem e bêbado igual um tatu cego, o homem, conversava com sua garrafa avermelhada, como se ela pudesse entender o que o mesmo dizia, e não falava coisa com coisa, esse jovem teve uma experiência um pouco mais conturbada, já que enquanto caminhava tentando encontrar um determinado objeto que ele não quis dizer paras as autoridades o que era, durante uma curva num canto porcamente iluminado pela lua da noite em questão, o jovem deu de cara com o mesmo suposto lobo, o lupino foi novamente descrito como tendo pelo de cor vinho, olhos verdes intensos, enorme para ser um lobo normal, e que o que mais chamou a atenção dos caçadores sobre o segundo relato, foi que o bêbado ficou imóvel perante tal criatura, e enquanto o animal se aproximava rosnando de modo nada amigável, o jovem desequilibrado pelo álcool, jurava de pés juntos, que foi só ele abaixar as mãos que se arquearam com o susto, que o animal parou de rosnar e encarou ele de muito perto nos olhos, nessa aproximação, o jovem percebeu que os pelos do peito e o incomum focinho do lobo, estavam empapados de sangue fresco, o que se descobriu mais tarde, que sim, esse relato poderia ser real, dado as condições em que o corpo de um dos caçadores locais se encontrou na beira de um riacho, completamente destroçado por algo muito cortante, um destino muito parecido com o que os homens que caçavam na região estavam encontrando, dentro de sete anos, esses foram os únicos relatos de descrição do animal, que nunca mais foi citado pelos campistas do bosque embora carcaças destroçadas de inúmeros veados ainda fossem encontradas aos montes. O bêbado não se lembrava do que havia acontecido depois da encarada do lobo, teve um apagão de memória, e acordou no dia seguinte sendo lambido por um gato com pelagem estranha, que mais parecia um filhote de lince do que um gato. Apanhou então sua garrafa vermelha e antes que começasse a se mexer para sair dali, foi abordado por caçadores que passavam na região.

Enquanto andava pelo caminho mais extenso, chapeuzinho, ou melhor, a moça da capa vermelha, ia notando que no chão perto da encosta da floresta, havia um rastro de pegadas que seguiam na mesma direção que ela, as pegadas eram profundas e de uma provável criatura pesada, desapareceram alguns muitos metros antes da casa da avó, a jovem sentiu o coração acelerar quando ao longe viu um homem grande e robusto entrando na casa da sua avó, portando uma arma comprida e aparentemente poderosa!

Ela apressou os passos enquanto o conteúdo da cesta balançava de um lado para o outro, incomodando a garota, a cesta então se desprendeu do seu braço quando a alça arrebentou, e o conteúdo de dentro se espalhou pelo chão, a garota encarou o conteúdo espalhado, os vidros que levava continham xaropes, eram vermelhos e tinham um cheiro forte, a garota observou que em alguns frascos tinham pedaços de algo que se parecia com chifres misturados ao conteúdo líquido, o xarope evaporava, e um cheiro muito enjoativo encheu as narinas dela, fazendo-a se sentir estranhamente perdida e conturbada… A jovem ouviu um forte estalo dentro da cabana, e só então lembrou de que o tal lobo poderia estar dentro do aposento, mais um tiro foi ouvido vindo de dentro da cabana, e um forte clarão ocorreu nas janelas seguido do barulho... A garota começou a correr para a casa, sentindo um forte enjoo, e vendo tudo embaçando enquanto sentia gosto de bile na boca.

O caçador estava entrando na casinha bonita e bem mobiliada após ouvir a voz da senhora, dona do imóvel, dizendo que não se sentia bem, e que a porta estava encostada, que ele podia entrar. O homem então entrou, ele se sentiu nostálgico, pois já havia construído casas como aquela nos anos em que trabalhava de lenhador, o homem olhou para a acabada e aparentemente doente senhora, estava completamente coberta e mantinha apenas a cabeça para fora, o homem se aproximou da idosa cautelosamente.

- Senhora… vi um animal entrando aqui agora a pouco, a senhora viu alguma coisa?

Após um leve surto de tosses, a velha mulher respondeu:

- Não meu querido... Não vi animal algum... - Mais um surto de tosse seca - Aliás, não enxergo muito bem já tem muito tempo meu querido!

- A senhora não parece nada bem mesmo! - O homem encarou os olhos levemente esverdeados e atentos da mulher. - Com olhos tão grandes deveria ser mais fácil de enxergar não?

A idosa sorriu com certo desconforto do comentário.

- Olhos grandes também sofrem com doenças meu filho!

- Ah sim, espero que não tenha afetado suas orelhas também, porque são enormes! - O homem sorriu com simpatia, disse num tom de brincadeira para a mulher.

Ela sorriu em resposta, embora sentisse que seu sorriso era amarelo pela falta de delicadeza do rapaz.

- Orelhas grandes perdem a audição com o passar do tempo meu querido!

A senhora deu um imenso sorriso, e estranhamente o homem notou que sua boca era incrivelmente grande!

- Se pelo menos sua boca gigante se mantiver saudável, já é algo bom minha senhora!

O homem sorriu novamente.

- Ah sim! Saudável para poder comer e falar de maneira bela da vida meu querido!

O homem observava com carinho e atenção à idosa em seu monólogo, ele sabia que a vida era cruel à medida que passava, e castigava os sentidos e os corpos das pessoas, algumas pessoas como seus amigos não tiveram a sorte de envelhecer como àquela mulher, muito pelo contrário, tiveram destinos bem piores até... Ele continuava encarando a mulher com atenção, quando algo familiar naquele rosto te chamou a atenção...

- Está tudo bem com a senhora? - Perguntou o homem amavelmente mostrando os dentes em um imenso sorriso branco.

- Sim meu jovem! Por quê? - A idosa olhou para ele, ele se aproximou dela e se abaixou próximo ao seu ouvido, a mulher sentiu um arrepio te percorrer a nuca, quando ele disse no seu ouvido:

- Acho que a senhora se esqueceu de escovar os dentes! - A idosa olhou confusa para o homem, os grandes olhos verdes estavam cheios de dúvida, o caçador apontou a arma para sua cabeça engatilhando a bala, só então a mulher notou que o homem tinha um curativo ensanguentado que vazava pela camisa xadrez vermelha na altura do ombro, ao ver a mancha se espalhando, ela notou que os olhos do caçador nos seus, reviviam mentalmente a manhãzinha daquele dia…

O homem estava andando com seu parceiro, também caçador caçando o temido lobo rubro que assolava a floresta, estavam próximos a um cemitério aparentemente clandestino, correndo como dois fanáticos após presenciarem uma carcaça de servo ser lançada na direção deles com violência, o animal estava sem chifres e sem as patas traseiras no cadáver estraçalhado, o animal se estatelou com tanta brutalidade no corpo de uma árvore da encosta, que o pinheiro negro rachou, e a imensa árvore caiu sobre eles, o companheiro do homem escapou, e para o azar do caçador, um dos galhos partiu, caindo em cima dele, prendendo-o ao chão quando o galho perfurou seu ombro de um lado ao outro, e ele ficou imobilizado.

O outro homem se aproximou com desespero quanto viu a mancha de sangue se espalhando pela camisa xadrezada, pintando de vermelho os quadrados brancos e deixando cor de vinho os pretos, ele se aproximava correndo desesperadamente enquanto uma onda horrível de dor percorria o corpo do caçador, quando estava quase próximo, o matagal mais alto no encalço da floresta se moveu enquanto barulhos de folha seca quebrando ecoavam pelo amplo espaço vazio.

Os homens olharam para onde vinham os passos, dois globos brilhantes e verdes vinham crescendo da escuridão do espaço, e conforme se aproximava da clareira, ia se tornando aos poucos visível, a criatura... As histórias eram horrendas, mas a figura era ainda pior vista do que relatada, o lobo se aproximava dos dois homens com passos curtos, trazendo consigo uma aura cor de vinho igual aos seus pelos imundos de sangue, o parceiro se posicionou entre o homem ferido e o animal gigante, o lobo arfava, e conforme as respirações aconteciam, uma névoa densa se desenhava ao redor do focinho lupino, o homem livre do galho apontou a arma para o animal e disparou contra sua cabeça, para a infelicidade dele, antes da bala tocar no animal, ela se desfez em névoa e desapareceu na névoa escurecida que rodeava a criatura, desmanchou como se fosse feita de gelo jogado em lava, o animal mostrou os dentes dando um rosnado agudo, e numa investida contra o homem livre, arrancou de uma só vez o braço esquerdo do homem, com metade do seu tronco no processo, o caçador sentiu o coração saltar à garganta, e não houve tempo do seu companheiro gritar, pois sua vida saiu de seu interior com metade do corpo e a alma inteira, junto com a voz e todo resto...

O caçador apertou o gatilho da arma quando os fios da camisa de seu parceiro ficaram aparentes entre os dentes da idosa, dentes esses que quando ele sussurrou em seu ouvido e se afastou, voltaram-se para ele, se abrindo com pontas demoníacas pertencentes a um lobo de ossos vermelhos, a bala pipocou metade do crânio da mulher, arrancando metade dos cabelos do escalpo e a pele, o osso rubro do crânio rasgou se espatifando pela cabeceira branca da cama, a velha deu um silvo entre um horrendo grito e um ensurdecedor uivo, que reverberou dentro da casa, os olhos verdes antes sem vida, estavam acessos como faróis, não tinha morrido, e estavam fixamente nos olhos do homem, assim como estivera mais cedo, quando vendo a situação em que se encontrava o caçador, não encontrou necessidade de mata-lo, já que morreria sozinho, sentia com dor e desespero, mas a segunda bala destruiu o esboço de cabeça que ainda existia em cima do pescoço experiente e enrugado, e aqueles olhos verdes deixaram de reluzir.

O homem deu um longo passo para trás, respirando de maneira pesada, ainda se lembrava da sensação que teve quando viu seu parceiro de caça, de vida e de destino ser tirado de você daquela maneira brutal, se sentia num inferno frio, haviam tirado dele o que demorara anos para construir, ele sentia lágrimas queimando em seus olhos.

Olhou para a mão esquerda, o dedo anelar tinha duas alianças de ouro agora, metade avermelhadas pelo sangue do monstro, deu um suspiro quando limpou o sangue delas usando o polegar da mão direita, logo após apontou a arma para a própria cabeça, mas o barulho de ranger de porta o fez parar, ele olhou para a entrada da casa, e sentiu um arrepio lhe percorrer o corpo inteiro, quando ela se abriu um pouco mais, e ali, parado no portal de entrada da pequena moradia... Estava parado um imenso lobo rubro, não tão grande e horrendo quanto o de mais cedo, mas claramente não um lobo comum, com pelos limpos e olhos tão verdes e brilhantes quanto os que ele acabará de exterminar, o lobo estava imóvel, quieto como um cão adestrado, os olhos expressivos pareciam estar perdidos, confusos, como se tivesse uma consciência ou algo do gênero, perto das patas traseiras do animal, um tecido vermelho jazia caído perto dos degraus de entrada.

A cabeça do animal se virou lentamente para a cama de casal onde a idosa se encontrava morta com a cabeça estraçalhada, o caçador observou uma lágrima percorrer o focinho lupino do lobo menor, a bala que ele guardara para si, foi direcionada para o animal, e assim como foi na floresta, quando o caçador atirou, a atenção da criatura se voltou para ele, e a bala que ia em direção ao lobo, evaporou no ar à medida que os olhos do rubro se acendiam ainda mais e uma névoa preta se formava a seu redor, saindo de sua boca e se espalhando a sua volta.

O lobo deu um suspiro pesado, e deu um passo para dentro da casa, fazendo o caçador se acuar o máximo que podia na parede do aposento, quando estava inteiramente dentro da cabana, a calda do animal bateu na porta, fechando-a, ele deu mais alguns passos à frente, enquanto um rosnado crescente surgia em sua garganta, sendo acompanhado pelo medo e o número de lágrimas no rosto do caçador, que só em outra vida poderia contar como conseguiu se livrar do tronco de pinheiro que quase o destruiu antes de poder se vingar pelo seu amado.



Fim.

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