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Vacuüm Ogen

Atualizado: 27 de abr. de 2021



Vacuüm Ogen

O menino estava sentado de pernas cruzadas em frente ao velho Pinheiro de natal, montado e enfeitado alguns dias atrás pelo pai e por ele, as luzes que circulavam todo o corpo da árvore piscavam e brilhavam lindamente à medida que a corrente elétrica passava entre um canto e outro nos enfeites.

O pequeno estava encantado com a magnitude que tinha aquela árvore! Era um espécime raro, encontrado apenas num lugar inóspito do bosque no qual ele era proibido de visitar, pois alguns relatos horrendos cercavam o lugar e seus arredores, de modo que o rapazinho sempre temia ouvir as histórias que algumas pessoas mais velhas contavam para ele. Ele com sucesso na grande maioria das vezes conseguia ignorar os contos, mas nem sempre obtinha sucesso, pois no meio de algumas noites e madrugadas, acordava suando e soluçando, tendo que explicar para o pai uma figura terrível ou algo incomum que lhe atormentava a imaginação fértil e frutífera em formato de pesadelos.

Hora um homem velho e alto, que trajava um casaco sobretudo e escondia no meio da testa um terceiro olho usando uma enorme cartola preta e surrada, num outro momento uma mulher de olhos e boca muito vermelhos, que sorria para ele e acenava para que se aproximasse dela, ele quase nunca se mexia durante os sonhos, mas sua imobilidade nunca impedia os outros de chegarem perto dele, e quando iam tocá-lo, o menino sempre ouvia um ensurdecedor grito de corvo, despertando-o e livrando-o de algo que ele não sabia se seria bom ou ruim.

No topo da árvore havia uma estrela dourada como as folhas do Pinheiro, ela iluminava todo o ambiente de madeira da cabana, algo que dava a aparência de riqueza ao espaço aquecido e aconchegante da sala.

- Gustavo, hora de dormir rapaz! - O menino ouviu a voz do pai. E se virou para encarar ele que passava pelo portal de acesso da cozinha com uma caixa enorme de presente entre os braços.

- Não tenho sono, papai! - o menino sorriu. O pai retribuiu o sorriso.

- Se não dormir, o papai Noel não virá trazer seus presentes.

O menino fechou a cara, não queria ir dormir, e também sentia que deveria contar ao pai que não acreditava mais no velho Noel, estava no auge dos seus nove anos, era coisa de criança acreditar em algo tão fantasioso.

Ele não acreditava no velho de vermelho, mas ouviu na escola algo mais interessante. Que chamou mais sua atenção, mesmo que fosse também fruto da imaginação de alguém aleatório…

- Papai, antes de dormir o senhor pode me contar uma história?

O pai olhou surpreso para o filho, há muito ele não pedia algo daquela natureza. O pai deixou a caixa enorme e vazia ao lado do pinheiro de natal, e se sentou na poltrona próxima à lareira, o menino se sentou no seu colo, e o pai o cobriu com uma manta vermelha que estava sobre o braço do estofado.

- Só uma, e depois dela, cama! Ok?

- Tá bem papai. - O menino sorriu encarando os olhos negros do pai com felicidade.

- E que história quer ouvir?

- Eu ouvi na escola, alguns meninos estavam conversando sobre o tal de Vacuüm Ogen…

- Tem certeza que quer ouvir isso? – O pai encarou com atenção o menino... Contos de horror não eram muito normais de ser pedidos na região em que moravam, ainda mais por dentro do bosque onde todos os moradores diziam haver de tudo!

Gustavo assentiu com a cabeça e se aconchegou no peito do pai, com uma atenção tão focada que nem mesmo a matéria que mais gostava no colégio despertava nele.

- Tá bem… A história do Vacuüm Ogen! – O pai limpou a garganta...

"Era uma vez... Um jovem rapaz que caçava um cervo na floresta, para um banquete que haveria na casa da dama mascarada, ele era um rapaz magricela, com cabelos loiros e muito bagunçados. Já passava da meia-noite, e nada de ele encontrar um cervo para o jantar na mansão, ele estava triste, e preocupado com o que a dama mascarada poderia fazer a ele se não voltasse para a mansão com o animal pedido, enquanto caminhava no bosque, ele chegou a uma clareira, que ao centro do espaço vazio, tinha uma pequena cabana de madeira..."…

- Pai a história não é assim! - O menino encarou o pai com uma carranca rabugenta.

- Eu estou adaptando ela para você se sentir mais dentro da história. - O pai sorriu e afagou os cabelos negros e lisos do menino. – Posso continuar?

– Tá bom, mas não muda a história toda!

O pai deu um sorriso brilhante para o menino e assentiu com leveza...

“... No meio da clareira, havia uma cabana de madeira, que era muito aconchegante e que tinha como habitantes, um pai e seu filho, era noite de véspera de natal, o jovem não sabia como tinha chegado ali, algumas persianas estavam abertas, e o jovem deu uma leve espiada dentro da cabana, a janela entreaberta dava visão para uma cozinha, e lá dentro, o rapaz viu um homem caminhando de um lado para o outro do cômodo, carregando uma bandeja com um peru assado sobre ela. O jovem sentiu o estômago roncar, e com o barulho que fez, o homem dentro da cabana olhou para a janela, e seu olhar cruzou com o do rapaz, que ficou paralisado, como se os olhos do homem da cozinha tivessem o poder de congelar ele, o rapaz começou a suar frio, tão frio quanto estava lá fora..."...

– Pai, eu disse para não mudar muito a história! – interrompeu novamente o menino dando um beliscão no braço do pai.

– Aaaah! Tá ok, tá ok... Posso continuar contando a minha versão da história? – O pai massageou o lugar beliscado.

– Se o fim não for igual ao original que eu ouvi na escola, o senhor vai ter que contar outra história!

O pai assentiu dando um riso.

– Tá bem, mas se eu contar um final melhor do que o que você ouviu... Você vai dormir imediatamente, trato fechado?

O menino sorriu de modo desafiador para o pai. Ele estendeu a mão e o pai a apertou de leve.

– Agora para de interromper, se não eu faço a magia que trás o Vacuüm Ogen para ele pegar você!

O menino sorriu de forma zombeteira e o pai reprimiu o riso...

"… O vento estava tão frio lá fora, que o homem de dentro se aproximou da janela quando o ar gélido soprou com força dentro do aposento, ele abriu á persiana um pouco mais para saber quem estava espiando. O rapaz ficou estático…"...

– O que é estático? – Gustavo olhou para o pai com uma expressão de dúvida.

– Estático; é quando alguém fica imóvel.

– E por que o senhor não disse "imóvel"?

– Tá bem...

"… O rapaz ficou ‘imóvel’, enquanto o homem da cabana apoiava os cotovelos no batente da janela…"...

– Batente é onde a janela bate para trancar! – Gustavo mudou a expressão de dúvida que tinha feito para uma de exclamação, e o pai continuou…

"– Está muito frio aí fora, não acha? – Perguntou o homem encarando os olhos do rapaz.”

“– Sim senhor! – respondeu o rapaz...”...

– Por que os dois têm a mesma voz? – Gustavo interrompeu novamente.

– Por que os dois têm que ter vozes diferentes?

– Porque são duas pessoas diferentes, ora. – Gustavo fez uma expressão de deboche para o pai.

O mais velho respirou fundo para não dar um cascudo no filho…

“– Sim senhor.” o pai fez uma voz mais aguda, e o menino deu um sorriso de satisfação. O pai suspirou disfarçadamente, já começava a se arrepender de ter começado àquela história...

“– Entre, vem jantar comigo – disse o homem – Meu filho já está na cama, ele é um garoto muito obediente, e sempre vai para cama assim que eu peço para ele ir, e sempre faz suas obrigações sem reclamar e deixar todos os brinquedos jogados por toda a casa, e”…

– Pai, o senhor não está se ajudando a me fazer dormir mais cedo! – Gustavo fez uma careta.

O pai sorriu amargamente, sabia que com a astúcia do menino não podia ganhar algumas guerras, então ele continuou…

“– Desculpe senhor – respondeu o rapaz – Estou caçando, e não posso demorar a voltar para casa. O jovem olhou para o senhor de dentro da casa, ele sorriu.”.

“– Vamos, não seja tímido, eu sei que está com fome, tem bastante comida por aqui.”

“O jovem olhou para o dono da cabana, os olhos do homem eram castanhos quase cinzentos, o rapaz achou curioso, eram foscos e sem brilho, como se tivesse iniciando um processo de perda da visão, o rapaz encarou por um breve momento o rosto do homem, era quase quarentão, tinha cabelos grisalhos, mais brancos do que pretos, tinha rugas leves no rosto, e por mais estranho que parecesse, conforme o jovem encarava os detalhes do rosto do senhor, os olhos do homem iam ficando mais brilhantes, os lábios que eram esbranquiçados iam se tornando mais rosados e ganhava uma aparência mais saudável, os cabelos pareciam estar ficando mais brilhosos, e parecia até que os fios brancos estavam ficando novamente pretos, o rapaz começou a sentir a fome dele aumentando, e também um cansaço estranho tomando conta de seu interior.”

“– Parece mesmo faminto meu rapaz. – O senhor deu um sorriso para ele. – Venha, pule a janela e entre... – O homem de dentro colocou a mão para fora, o rapaz a apanhou, sentia–se como um amigo de longa data do velho, havia esquecido o que tinha ido fazer ali, só sentia fome e nada mais, em dado momento, depois de ser puxado para dentro da cabana, ele se sentou numa cadeira confortável de madeira, que estava ao redor de uma mesa redonda, a narina era inundada com o cheiro delicioso do peru assado, sua fome aumentava a cada instante, o rapaz olhou a mão do senhor enquanto ele fatiava o peru com cuidado e atenção, eram mãos que tremiam, e a leve tremedeira deixava a sensação de que o homem era doente ou algo do gênero, o rapaz notou que as mãos eram enrugadas e as veias saltadas, mãos experientes, e até ressecadas pelo frio constante do lugar, as unhas eram roídas até onde as carnes dos dedos começavam, e eram amareladas como dentes de um cão.”

“O rapaz sentiu uma leve repulsa, e um enjoo desconfortável ao olhar as mãos fazendo o trabalho, mas enquanto as mãos do senhor subiam e desciam manuseando a faca e o garfo, em meio a leves tremedeiras, ele notava que aquelas mãos não eram tão velhas quanto pareciam, as unhas roídas e amareladas pareciam ficar mais brilhantes e brancas à medida que subiam e desciam, às veias antes saltadas e de aparência ressecada pareciam estar desaparecendo, e realmente estavam... Até a tremedeira estava parando enquanto o senhor fatiava o peru com cada vez mais pericia, era deslumbrante aos olhos do rapaz jovem.”

“– A dama está bem, rapaz? – A pergunta do homem deu um sobressalto no jovem, ele sorriu de nervoso, olhou para os olhos do homem, olhos com um brilho impecável, era esplêndido, ele sorriu para o mais jovem, os dentes eram perfeitamente alinhados, brancos e brilhantes.”

“– Sim, ela está bem. – O rapaz respondeu enquanto o homem servia uma porção de carne de peru enorme num prato de cristal que acabara de apanhar do escorredor de louças sobre a pia. Ele sentiu a boca enchendo d’água, se sentia com uma fome que nunca havia sentido antes, parecia que não se alimentava há meses. O homem da casa colocou o prato que serviu em frente ao rapaz, e estendeu um garfo e uma faca para ele, o jovem levou as mãos para apanhar os talheres, e quando colocou as mãos neles, sentiu como se eles pesassem uma tonelada cada um, soltou–os, e eles caíram sobre a mesa ressoando um barulho estridente sobre o cômodo, o jovem olhou para as mãos estendidas, elas tremiam e estavam com uma aparência horrenda de ressecada, ele puxou as mãos para si e coloco–as embaixo da mesa, envergonhado perante o olhar atento e brilhante do dono da cabana. Ele encarava os olhos do homem mais velho, eram lindos, brilhantes, e estranhamente jovens.”

“– Algum problema rapaz? – O jovem tentou responder, mas não saiu voz alguma, ele sentia um embolo na garganta, como se uma almôndega tivesse parado ali sem ser mastigada, negou com a cabeça, e o dono da casa sorriu para ele. – Que bom, agora, se não se importar vou precisar que olhe no fundo dos...”...

O pai ouviu um leve ronco próximo ao peito, ele olhou para o rosto do pequeno Gustavo, o menino havia adormecido, o homem olhou para o relógio na parede acima da lareira, já era quase meia noite.

- Sempre dorme na melhor parte de qualquer história. – Ele sorriu consigo mesmo.

Apanhou o menino nocauteado nos braços, e levou ele para o quarto, lá depositou ele sobre a cama de solteiro que ficava ao lado da dele, beijou o topo de sua cabeça, e saiu do quarto após cobrir bem o menino com dois edredons, a noite seria fria, e ele sabia disso há algum tempo.

Ele voltou para a sala, dobrou a manta que cobrira o filho, olhou para a caixa de presente vazia, colocou a manta dentro dela e foi para a cozinha, ele lavou alguns pratos que estavam sujos, colocou no escorredor, e foi até o forno de onde tirou um peru e levou em direção à mesa da sala de jantar, fizera a ave para o almoço do filho no dia de Natal, um vento frio entrou pela janela, e ele ouviu um ronco alto do lado de fora, olhou para as persianas abertas da cozinha, ali estava um jovem, de aproximadamente 19 anos, era franzino, magrelo, com cabelos loiros e tinha cabelos muito bagunçados, o pai de Gustavo se aproximou da janela, sentia que suas energias estavam se esgotando, as mãos começavam a tremer levemente, e ele sentia um gosto forte de sangue na língua, o rapaz de fora o encarava com atenção, parecia um tanto quanto assustado e perdido, estava desfocado, e parecia estar distante, então o homem olhou para o jovem encarando os olhos dele enquanto colocava os cotovelos no batente da janela e sorria com simpatia para o rapaz...

– Está muito frio aí fora, não acha?... Enquanto o rapaz respondia, os olhos de Ogen começavam o serviço, sugavam a energia vital do rapaz, alimentavam o veterano que fizera sua ultima refeição há mais de duas décadas, o homem sabia que dentro de alguns minutos, estaria devorando os olhos daquele rapaz. Uma refeição que seria suficiente para fazer com que o velho demônio enxergasse o futuro pelos próximos vinte anos, ou até mais.

Fim.

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