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Foto do escritorWander Neres

O Mordomo na Sombra

ATENÇÃO: O conto a seguir é uma obra de ficção voltada ao público adulto.

O conteúdo apresentado pode causar gatilhos ou desconfortos, aconselha-se que não leia o conto: Pessoas que possam ter sofrido algum tipo de abuso físico/sexual, em algum momento da infância, adolescência ou vida adulta.

O autri deseja uma boa leitura

Att: Neres



O Mordomo na Sombra


A menina chorava silenciosamente no canto mais escuro do quarto espaçoso, sentia cãibras nas coxas, e já estava ajoelhada nas pedras colhidas pela mãe mais cedo no jardim da mansão havia horas... E se dependesse da boa vontade da mãe para lembrar que ela existia, sairia dali horas, ou até dias mais tarde.

O pai nunca foi de intervir aos abusos cometidos contra ela, mas a pequena não entendia por que a mãe era impaciente, cruel e tão agressiva quanto um animal, era implacável, mesmo quando não havia motivos, parecia ser um passatempo especial torturar a própria filha.

Dentro do quarto, vindo de trás dela, uma voz masculina aparentemente jovem, sussurrou algo em seu ouvido; ela se virou, mas não viu ninguém partilhando o cômodo com ela.

Ela voltou a olhar para a parede, e sentiu os pelos da nuca se eriçando quando mais uma vez a voz sussurrou algo em seu ouvido, desta vez ela evitou com sucesso o instinto de olhar para trás...

- Está começando a ser corajosa! - Admirou a voz num sussurro quase inaudível.

- Quem está aí? - Perguntou a menina sem se virar.

- Sou apenas um amigo! - Sussurrou a voz, um pouco mais sonora, com um tom de deboche. - Já está aqui há bastante tempo, não é?

- Sim. - A menina sentia as lágrimas no rosto já frias.

- Quer que eu chame a sua mãe?

- Não! - A menina quase gritou - Se ela vier aqui, vai querer me castigar ainda mais e por mais tempo!

Sob um brilho pálido que entrou pela janela naquele momento, a menina viu a sombra de quem conversava com ela na parede em frente a ela.

Era uma silhueta esquelética, com contornos triangulares e muito grotescos, na cabeça da sombra havia algo semelhante a córneos, eram enormes, pontiagudos e ligeiramente tortos. A menina sentiu as pernas ficarem úmidas.

Virou-se repentinamente, e atrás dela ela viu apenas um homem, não era tão velho, talvez vinte ou trinta anos mais novo que o pai de cinquenta e tantos. Estava usando uma roupa impecável, a menina já havia assistido a alguns filmes atuais, e as vestimentas do homem eram teatrais e imponentes, era um mordomo apenas, seus cabelos eram lisos com leves ondulações nas pontas, eram de um tom avermelhado e escuro, tinha olhos muito azuis e um cheiro muito notável de acácia.

- Sua mãe a proibiu de olhar para trás, não é? - Perguntou o homem. A menina voltou o olhar para a parede, a sombra do mordomo agora era condizente com a figura que ela viu quando olhou para ele, não mais a figura distorcida que vira antes.

- Se você pudesse fazer um desejo... - Disse o homem. Ela viu a sombra na parede diminuir e sentiu um leve calor na nuca enquanto a voz ficou mais próxima da sua orelha - Que desejo gostaria de realizar?

A menina se imaginou dormindo serena, brincando no jardim da mansão, dando migalhas de pão para os cisnes do lago ao sul da casa, eram criações inteiramente da própria mente, pois nunca havia vivido essas lembranças, tinha apenas sonhado com elas, os joelhos arderam, e ela sentiu a pele rasgando entre uma pedra e outra.

- Acho que me livrar das pedras seria um desejo bom. - disse ela.

O mordomo deu um sorriso cordial.

- Quer se livrar só das pedras?

A menina olhou para os joelhos, uma fina linha de sangue escorria para a base da parede, formando uma pequena poça no rodapé, ela sentiu um pouco de medo, pois sabia que seria responsabilizada e castigada novamente por causa daquela mancha.

- Eu gostaria de me livrar da minha mãe! - Sussurrou ela mais para si, o mordomo levou a mão direita à pequena poça, colocou a ponta do indicador dentro dela, e levou o dedo sujo aos lábios.

- Deseja apenas isso? - Perguntou o mordomo.

A menina pensou se era apenas isso… O pai também era algo a ser tirado da vida dela, ele não intervia nos castigos que eram aplicados pela mãe, ele só aparecia para a menina de noite, quando a mãe já estava dormindo. Ele limpava as feridas dela, mas, ela não entendia muito bem o porquê, de ele tirar as roupas dela para limpar seus joelhos e também não entendia porque ele fazia aquela coisa com os dedos dele.

Colocando-os entre as pernas dela, e também não entendia por qual motivo ele gostava de abrir suas pernas, e colocar algo que ele tinha nele dentro dela, á machucava e ardia, era incômodo, fazia ela se sentir com vontade de gritar, chorar, e ao mesmo tempo queria ficar calada, por medo da mãe a castigar, caso àquilo fosse algo que ela não gostasse de ver.

Ele dizia que aquilo ajudava a sarar mais rápido, mas no fim das contas, antes do amanhecer, o pai falava para ela voltar para o canto da parede, que pela manhã a mãe a tiraria de lá e ela se sentiria melhor, e falava que para a magia funcionar, tinha que ser um segredo dos dois.

Ela seguia as ordens do pai, mas nunca se sentia melhor como ele dizia que ficaria.

- Não, não é só isso! - Disse ela. - Eu desejo, que tudo que me machuca desapareça!

O mordomo sorriu de modo dócil para ela.

- Vá para a cama, menina! - Não desça para o salão principal até amanhecer, tá bem?

- Não posso sair daqui! - Sussurrou ela.

O mordomo acariciou o rosto da menina, ela notou na parede que a sombra dele tremia, e voltava a ser uma figura diferente do que realmente era o mordomo, no entanto, o corpo dele estava imóvel.

- Pode sair sim, você vai se sentir melhor depois que dormir um pouco. Já é quase hora do seu pai chegar, então pode ir para a cama.

A menina relutou internamente, mas obedeceu-o.

Ela se deitou na cama, o mordomo encarou os joelhos expostos dela, estavam em carne viva, sua cor pálida havia sido substituída por um vermelho rosado, e estava cheio de pequenos hematomas roxos ao redor.

- Amanhã daremos um jeito nisso, que acha?

A menina sorriu para o mordomo, ele retribuiu o sorriso, ela sentiu o cansaço atingindo-a como uma martelada.

Adormeceu profundamente, entrando em um sonho muito estranho, e muito realista, logo em seguida.

Ela estava no salão principal da mansão, sua mãe e seu pai estavam conversando algo de maneira sussurrada, eles diziam algo como: "As pedras do jardim já foram retiradas para cavar" "Ela precisa desaparecer logo!" e "Quem é você?!", a última palavra do pai foi um grito assustado.

No sonho, uma sombra muito estranha, com contornos desiguais e muito pontiagudos, de olhos muito vermelhos e brilhantes, se aproximou dos pais dela, eles expressavam muito medo, da mesma forma que ela demonstrava quando era encurralada pela mãe, ou até pior.

A sombra segurou o pescoço da mãe, e virou o rosto dela para a direita abruptamente, fazendo um barulho semelhante ao torcer de uma garrafa plástica ressoar pelo ambiente, a menina não entendeu porque a mãe parou de se mexer, e deitou no chão imediatamente quando a sombra soltou seu pescoço.

Seu pai tentou correr para a saída mais próxima, mas antes de dar os primeiros passos, a sombra viva apareceu na frente dele, a coisa colocou a mão sobre a cintura do homem, de modo leve, e a parte de baixo do pai dela sumiu como se fosse mágica! Sumiu e deixou no lugar uma cachoeira vermelha e brilhante, que fez a menina sorrir inconscientemente para a sombra.

Quando ela sorriu, a criatura olhou para ela, ficando surpresa ao notar sua presença. O rosto sombreado tinha dentes pontiagudos e serrilhados, em cima da cabeça tinha dois chifres com aparência muito cortantes. Ela sentiu um pouco de medo, mas a sombra viva sorriu para ela, abriu a boca mostrando seus dentes serrilhados que se encaixavam com perfeição.

A menina notou o ambiente ficando muito branco, e sentiu que seus olhos se abriam, de repente, ela percebeu que estava no próprio quarto, notou que já estava muito claro, se levantou depressa e saiu do aposento, indo com toda velocidade que podia colocar nas pernas para o salão principal da mansão.

Chegando lá, ela viu um homem na frente da mesa da sala, estava de costas para ela, ele se virou quando notou sua presença, ele estava com uma bandeja nas mãos, era o mordomo que havia conhecido na noite anterior. Ou foi há mais dias? Ela não sabia dizer.

- Acordou cedo!... Eu estava levando seu café para a cama. - Ele sorriu para ela. - Como se sente?

A menina olhou para os joelhos, não havia nada ali, não havia hematomas, nem dor, nem um resquício de ferida, até as cicatrizes que colecionava haviam desaparecido.

Ela sorriu para o mordomo.

- Me sinto bem. - Respondeu ela, com uma gratidão inexplicável na voz.

O mordomo assentiu levemente com a cabeça disfarçando um sorriso amistoso.

Ela se aproximou e sentou de frente para a bandeja de café da manhã na imensa mesa de refeições, no canto direito da bandeja havia um par de luvas que eram brancas, porém, estavam muito sujas, e vermelhas num tom intenso.

O mordomo apanhou as luvas apressadamente e colocou no bolso do avental branco que usava.

- Perdão, minha senhora! Eu não devia deixar minhas coisas largadas por aí!

Ele fez uma reverência com a cabeça para ela.

A menina sorriu para ele encarando-o com admiração... Não havia motivo para repreendê-lo.




FIM





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