De Olhos Fechados
Eu me lembro da minha infância, adolescência e da vida adulta muito pouco. Poucas coisas me fazem ter inseguranças ou sentir medo de algo esdrúxulo, na verdade, por mais incrível que pareça, eu tenho medo apenas de três coisas. De pesadelos, ah sim, eu tenho um histórico e um arsenal horrível de pesadelos, muitos deles envolvem criaturas estranhas e por grande parte das vezes, eu acordo suado e tremendo muito, minha esposa fica com medo às vezes, mas eu tento não atormentá-la com isso.
Às vezes, neles, olhos vermelhos me perseguem, às vezes uma mulher linda aparece para mim, ela aparenta sempre ser um anjo, mas sempre que eu me aproximo, ela me oferece um doce, me diz que é delicioso, fala que vai me fazer bem, eu nunca como a porcaria do doce, mas sempre pergunto seu nome, e sempre acordo antes da resposta, ela só diz: “Me chame apenas de Marf...”...
E eu acordo antes que ela complete a maldita frase, sou péssimo com enigmas, e nunca me atrevo a procurar saber ou especular o que ela vai dizer para completar, não gosto nem de imaginar, outras vezes eu estou num corredor vazio, um beco talvez... Na idade média quem sabe? Ou em algum período histórico antes da invenção de Sherlock e do satânico cão das histórias de Doyle, diferente do famoso cachorro dos romances policiais, nos meus sonhos sombrios, na outra ponta do beco, sempre surgia uma silhueta felina, miando para mim, de modo estranho, por vezes – pode parecer loucura – eu conseguia ouvir entre um miado e outro, um sussurro de timbre feminino, dizendo coisas e frases estranhas, ou palavras desconexas, como: “Um corvo testemunhou”, ou “Um lobo cuspiu dois anéis dourados”, como eu disse anteriormente, sou péssimo com enigmas, em meio aos sussurros, eu conseguia ouvir algumas palavras soltas, como: “Escritor”, “Mordomo”, “Irmãos” e coisas do gênero, mas você não está interessada nos meus sonhos, talvez você esteja interessada nos meus outros medos, já que essa carta você quem me pediu para escrever como modo de desabafo... Ou sei lá, por que eu estou me explicando, ninguém vai ler essa carta, já que é para ela ser queimada não é mesmo?...
O segundo medo é bem simples, na realidade, é simples por que milhares, milhões, trilhões de pessoas talvez, não sei se existem povos extraterrestres, mas duvido muito que eles simpatizem com palhaços e políticos, chega ser engraçado, mas para mim, os dois são a mesma coisa. Um dia eu estava assistindo televisão, e passou um espetáculo, que poucas vezes vi igual, um palhaço estava fazendo palhaçadas, e passaram um corretivo nele usando uma caneta, eu achei hilário, mas por que interromperam a transmissão... Eu não sei, mas foi cômico, foi o único momento na vida que ri ao invés de ficar tenso, embora eu deteste a cor vermelha – Uma cor que tinha de sobra na ocasião em questão... – a cor me lembra àquela mãe maluca que vendeu os filhos para um circo, e disse para o marido que os garotos fugiram, ela era muito maluca mesmo, mas enfim, tudo isso foge do segundo medo, tenho medo de palhaços, de todas as cores, e de todo e qualquer partido...
Meu terceiro medo é o mais ridículo talvez, e o maior de todos. Talvez seja até entendível quando eu disser o motivo, mas, eu sei... Não há explicação para ter medo de tomar banho, na realidade, não é bem medo de banho, mas sim, o que me cerca enquanto estou nele, durante aquele breve momento, no qual você precisa lavar o cabelo, e para que os olhos não queimem ou fiquem extremamente irritados, é preciso fechá-los para preservar a visão, e nesse momento é onde mora o meu medo, eu sempre me pergunto, o que acontece entre a espuma e o enxague?
Parece ser um curto período, mas não é, dentro de alguns segundos, eu consigo sentir arrepios, ouço vozes estranhas, sempre há uma imagem que fica piscando em minha mente, ora uma adolescente vestida com um capuz vermelho, ora um homem de olhos vazios, a imagem que mais fica aparecendo para mim, é a de um homem de terno, bem vestido, como um verdadeiro vendedor de sonhos, seria uma frase até poética, se o arrombado não tivesse a porra de uma gota d’água gigante e laranja no lugar da cabeça, sem olhos, sem boca, sem expressão alguma!
Sempre com as mãos muito brancas nos bolsos da linda e justa calça social, aparentemente ele não me faz mal, mas a visão não é agradável ao ponto de eu achar normal, o cara tem uma gota gigante no lugar da cabeça, você tem noção de quão bêbado ou drogado o indivíduo tem que estar para ver um negócio desses? E eu nem bebo, me drogo às vezes, é verdade, mas o gás do riso que minha esposa tem só me faz rir bastante!
Esse cara, ele meio que me persegue, e sempre está comigo nos banhos de quinze em quinze dias quando por excesso de coceira no couro, eu finalmente lavo o cabelo, e nos incontáveis sete segundos que demoram uma eternidade entre o fechamento e a abertura dos meus olhos, eu o vejo, ele é igual o maldito gato dos pesadelos, fala um monte de palavras estranhas e esquisitas, mas aparentemente ele não quer o meu mal, sei disso, pois hoje mesmo, durante o meu banho, assim que eu fechei os olhos para tirar a espuma do xampu, ele piscou na minha mente e não só piscou... Dessa vez ele não sumiu, ele colocou a mão direita no meu ombro, uma mão pálida, com unhas imensas e pontiagudas, como se fosse uma pata de animal, e não uma mão, e disse com todas as letras a seguinte frase: “A resistência caiu!”.
Eu abri os olhos com o susto que tomei, gritando e me espremendo na parede do banheiro ao toque de sua mão, a voz não era nada semelhante a uma humana, mas assim que senti os dedos gélidos da água do chuveiro sobre o meu corpo, fazendo caminhos que percorriam tudo, eu notei que mesmo com os olhos arregalados, eu nada via, a luz havia se apagado, e realmente... A resistência havia caído, eu saí do banheiro às pressas, enrolei uma toalha na cintura e fui para o relógio de energia no lado externo da casa para religa-lo, sentindo meu coração na garganta, e observando que no local onde eu havia sido tocado, havia a marca levemente vermelha de uma mão.
O chuveiro voltou a emitir o som comum de água quente passando pelo eletrodoméstico, eu voltei para o banheiro para desliga-lo, e quando saí do banheiro ainda enrolado na toalha e perturbado, minha esposa chegou do consultório, carregada até os dentes de compras do mercado, eu a ajudei com as sacolas, e depois vim escrever essa experiência completamente esquisita, como minha psicóloga diz para eu fazer constantemente.
Minha mulher entrou no nosso quarto há pouco, e me disse que eu estava cheio de espuma atrás das orelhas e na parte de trás do cabelo... Mas como eu disse antes, eu só lavo meu cabelo duas vezes por mês, algo que vai mudar, por que estou indo nesse exato momento raspar a cabeça, meu maior medo agora não será mais lavar o cabelo, mas sim, toda vez que eu olhar no espelho, e ver minha cabeça oval, parecendo uma gota d’água gigante – sim, eu sou um pouco cabeçudo – e o pior de tudo... Eu sou ruivo, com os cabelos quase laranjas.
Fim.
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